Um final feliz... diferente
A vida num segundo
Até parecia que tinha sido ontem, a primeira vez que o vira. Os olhos azuis brilhavam sobre o sol intenso de primavera. Um louco pelo surf, Frederico estava sempre pronto para pegar uma onda e, quando as amigas dela a tinham arrastado para aquela praia, mal sabiam que estavam a selar o seu destino. Raquel tinha consciência de que aquelas memórias nunca se apagariam, mas perguntava-se porque tudo com eles tinha de ser tão rápido?
Naquele dia nem quis saber de mais nada, a não ser imaginar quando o iria ver novamente. Não tardou muito, foi nessa mesma noite, num bar perto da praia, onde Frederico e os amigos costumavam parar depois de um dia de aventura. Para sua alegria, ele lembrava-se dela, sorriu-lhe e foi-lhe buscar uma bebida. A partir desse momento não houve ninguém que os conseguisse separar, entre olhares e sorrisos nasceu uma forte atracção.
Claro que ele insistiu em ficar com o seu contacto, e Raquel contou os minutos até que ele lhe ligou, ainda nessa fatídica noite. Só queria dizer-lhe o quanto tinha gostado de a conhecer e implorou-lhe que o fosse encontrar na praia, na manhã seguinte. Raquel nem conseguiu dormir, tamanha a ansiedade de ver o sol aparecer e poder levantar-se da cama.
Aquela praia tornou-se um local de peregrinação deles, quase em todos os fins-de-semana, quando podiam escapar ao reboliço da cidade, fosse verão ou Inverno. Afinal, nessa manhã, Frederico recebeu-a com um tímido mas sincero beijo. Apesar das convidativas ondas, a prancha de surf não saiu da areia, e nesse dia nasceu o amor que ainda lhe preenchia o peito.
A pergunta continuava a latejar na sua mente: porque é que com eles era tudo tão rápido? Por um lado, tinha sido tão bom, envolver-se nesse turbilhão de emoções, quase sem conseguir respirar. O namoro voava ao ritmo da paixão que os envolvia e impulsionava a cometer loucuras. O velho carro dele presenciou muitas cenas indecorosas, intensas e lindas, nos locais mais estranhos. Um sorriso surgiu no rosto cansado de Raquel quando se lembrou de uma vez em que tinham resolvido dar largas à paixão, bem ao lado da Torre de Belém.
Dois meses mais tarde e Frederico pediu-lhe que fosse morar com ele. Raquel nem queria acreditar, pois não hesitou nem um segundo, e não se arrependeria nunca de o ter feito.
Viver todos os dias ao lado dele era uma constante descoberta. Claro que tinham as suas discussões, mas nada que um beijo ardente não resolvesse. Era impossível ser infeliz ao lado de um homem que a tratava como se tivesse de a conquistar de novo, todos os dias. Parecia um sonho, bom demais para ser verdade, mas perfeito em todos os sentidos. Acordava muitas vezes para descobrir uma flor, um bilhete com uma declaração de amor, um mimo que naquela noite ele planeara dar-lhe.
Raquel tinha perdido a conta às vezes em que ele a deixava dormir até mais tarde e lhe preparava um delicioso pequeno-almoço. Quando as amigas lhe perguntavam se tinha razões de queixa, Raquel não encontrava uma única e logo, assumiam que ela devia de estar a mentir. Ela descobriu, espantada, que a maioria dos casais não desfrutava dessa mesma harmonia.
O segredo, perguntavam-lhe muitas vezes, nem ela sabia. Talvez fosse porque ele era mesmo a sua alma gémea e tivesse acontecido o milagre de se terem encontrado. Estavam conscientes disso, cada vez que pisavam a areia daquela praia, sentiam a mesma magia que os unira ao primeiro olhar.
Agora, no presente, ao relembrar tantos momentos bonitos, Raquel esperava encontrar algum consolo e esperança. Perguntava-se se também ele recordara a vida num segundo, naquela fracção de segundos em que o camião embatera no carro dele e o lançara para a escuridão. Os três anos que tinham partilhado pareciam tão insignificantes perante aquilo que ainda poderiam viver. Raquel passou a mão pelo ventre proeminente, fruto da gravidez avançada e não conteve o choro.
Sentiu alguém tocar-lhe no ombro, mas nem queria olhar, não queria dar a oportunidade para que alguém lhe dissesse que nunca mais poderia ter ao seu lado a sua fonte de energia. Depois lembrou-se de que Frederico não gostaria que ela desistisse assim tão facilmente. Ela sabia que naquela sala de operações ele estaria a lutar pela vida, por eles, pelo filho que ainda não conhecia. Olhou finalmente e deparou-se com o olhar piedoso do médico.
“Correu tudo bem”, será que tinha ouvido bem? “Livre de perigo” voltou a repetir a voz apaziguadora. “Respira, Raquel, respira” comandou em silêncio, prestes a perder as forças caso a notícia fosse mais funesta. O alívio era tanto que só lhe apetecia gritar. Aquele susto viera acordá-la do sonho, da perfeição e relembrá-la que a vida era assim, rápida e traiçoeira. Prometeu a si mesma que nunca mais iria questionar a rapidez daquele amor, nem arrepender-se de estar ao lado de Frederico. Limpou as lágrimas e seguiu o médico, ansiosa por ver de novo o rosto do marido, com a certeza de que também ele estava ansioso por a ver.