sexta-feira, abril 06, 2007

Mais vale tarde...

... do que nunca!

Sabia que não devia render-se à inércia que a consumia há meses. Sabia... mas ainda estava presa ao mesmo desalento desde que ficou desempregada. Nem sequer estava a aproveitar os excelentes dias de sol e calor, dignos de um verão tropical.

Como é que podia pensar em divertir-se se bastava sair de casa para gastar dinheiro? E como não podia gastar o que não tinha, limitava-se a ficar fechada em casa. Também estava cansada de dar sempre a mesma justificação cada vez que se via obrigada a recusar um convite dos amigos por falta de fundos monetários.

Por isso Adriana resistia estoicamente, convencendo-se de que até gostava de ficar por casa, a ler e a ouvir música. A sua amiga Filomena conhecia as suas dificuldades. Só que nesse dia não queria aceitar uma resposta negativa. Fez-lhe a cabeça em água, com mil argumentos pelos quais Adriana não podia deixar de ir ao piquenique do dia seguinte.

Comemoravam dez anos desde o primeiro ano na universidade e de uma amizade inabalável. Os antigos colegas tinham resolvido juntar-se, alugar uma quinta por um dia e fazer uma bela patuscada, à boa maneira portuguesa. Como é que alguém recusava um convite desses? Piscina, court de ténis e um belo relvado, aliados a quatro quilos de sardinhas, 6 quilos de febras e 4 de entremeadas… sem esquecer a cervejinha fresca e claro, as caipirinhas caseiras.

Enquanto ouvia o palavreado incessante da Filomena, fazia contas à vida e tentava encontrar uma forma de arranjar um dinheirinho que sobrasse no meio da sua pilha de contas para pagar. Estava tão compenetrada que nem ouviu quando a amiga declarou por fim:
- “Vais e ponto final. E se a desculpa é o dinheiro, deixa estar que é um presente meu e do Cajó.” Depois de largar o ultimato, a Filomena ficou à espera, em vão.
- “Estás surda ou quê? – voltou a repetir a proposta. Agora é que não havia meio de escapar!

No dia seguinte, bem cedo, Adriana despachou-se e ficou à espera da boleia da Filomena e do Cajó, o namorado da amiga. A frescura matinal deixava antever um dia ensolarado e eles percorreram entusiasmados os 60 quilómetros até à quinta. Não lhe tinha passado pela cabeça que já lá estivesse tanta gente. Deviam ser mais de quarenta, entre antigos colegas da faculdade, namorados e amigos, a maioria da qual Adriana já não reconhecia.

A vergonha passou-lhe rapidamente, ao fim da segunda "mini" já cumprimentava todos com um grande desembaraço. Estava prestes a mergulhar na piscina quando uma figura, saida das suas fantasias mais eróticas, apareceu ao seu lado. O Carlos foi a sua paixão durante todo o curso, um rapaz interessante a todos os níveis. O problema era simples: uma namorada possessiva e a preferência óbvia por mulheres quase esqueléticas.

Naquela época Adriana era bem rechonchuda e tinha um grave complexo de inferioridade. Agora, apesar de ter emagrecido drasticamente, o complexo persistia. Carlos abraçou-a eufórico, muito animado pelo reencontro. Num minuto Adriana ficou a saber que ele estava divorciado e livre como um passarinho. Ela sentiu-se elogiada pelo olhar de agrado com que ele a avaliou, acompanhado pelos insistentes comentários de como ela "estava magra e linda".

A Filomena tinha razão. Ainda bem que ali estava para receber toda a atenção com que o Carlos a brindou. Uma recompensa atrasada pelos anos de paixão ignorada. Estavam ambos na piscina quando reparou que o Cajó estava a falar com um homem que não lhe era estranho. Sem perceber, fitou-o obsessivamente, numa tentativa de forçar a mente. É claro que não se lembrou e ele acabou por apanhá-la naquele acto de contemplação descarada.

O desconhecido familiar acabou por dirigir-lhe palavra. Com uma voz grave e um sorriso sensual cumprimentou-a como se fossem bons amigos.
- “Há tanto tempo que não te via! O que tens andado a fazer?” – Agora é que a Adriana ficou sem palavras e com uma vontade enorme de afogar-se na piscina. Ele percebeu a sua atrapalhação e apresentou-se sem mostrar ressentimento.
- “ Vimo-nos poucas vezes mas não me esqueci de ti. Sou o Fábio, irmão do Carlos.” – Claro, como é que podia ter-se esquecido do irmão mais velho, que acabou o curso dois anos antes? O dia tornou-se subitamente muito interessante, com Adriana a ser disputada pelos dois irmãos, num rodopio de bebida e comida. Sem esquecer o campeonato de matrecos, em que o Fábio a convidou para ser a sua parceira. Fizeram uma dupla tão boa que arrasaram com a concorrência.

Adriana não queria que aquele dia acabasse. Não queria voltar à sua rotina infeliz. Reparou que o Carlos andava a dividir as atenções entre ela e todas as raparigas jeitosas ali presentes. Há pessoas que nunca mudam! O Fábio, por outro lado, mantinha-se discreto e sempre por perto dela, ignorando os avanços mais ousados das outras mulheres.
A diversão chegou ao fim quando a Filomena se quis ir embora. O Carlos despediu-se com indiferença. Ela não esperava outra coisa dele. O Fábio, para sua surpresa, pediu-lhe que ficasse. Ofereceu-se para levá-la a casa mais tarde, com um ar de "sem segundas intenções". Ela concordou e não se arrependeu.

O trajecto até casa sofreu um pequeno desvio. Foram admirar o céu magnífico, sobre a iluminação da lua cheia, no cais à beira-rio. Adriana não chegou a casa tão cedo, correram a noite sem pressa, ávidos por carinhos e novos projectos. Ela chegou depois à conclusão que andara a desperdiçar a paixão no irmão errado, mas vale mais tarde do que nunca!