sexta-feira, março 16, 2007

A primeira vez...


... nunca se esquece!


A conversa estava animada mas Lucinda nem prestava atenção. As amigas divertiam-se a trocar impressões sobre os respectivos maridos. Tópico que não lhe interessava: continuava solteira e despachara o último namorado há seis meses. Portanto nada tinha para dizer que pudesse contribuir para o andamento da conversa. A sua vida sexual estava nesse momento um pouco estagnada… para não dizer outra coisa pior.

Os risos aumentavam à medida que as amigas se desbocavam sobre as peripécias sexuais. Lucinda podia não saber nada sobre a vida de uma mulher casada, mas sobre sexo ainda podia opinar! Interrompeu o histerismo colectivo com uma provocação: “Agora que são umas matronas experientes, ainda se lembram da vossa primeira vez?”

Invariavelmente, todas as respostas foram um “Claro que sim! Como é que podia esquecer uma coisa dessas?”. Lucinda não sabia o que a tinha levado a essa recordação em particular, mas talvez fosse fruto das suas constantes desilusões sexuais desde a sua primeira vez.

A pergunta levou-as numa viagem ao passado, cheio de histórias caricatas e, desta vez, Lucinda também participou. Descobriu que tinha perdido a virgindade bem mais tarde do que as amigas, aos 21 anos. Só Fausto levou ao limite da excitação, até aquele momento em que já não conseguia aguentar mais a dor quase física do prazer. Ele era mais velho do que ela três anos, e parecia ser muito experiente. Nunca a pressionou. Nem precisava! Bastava estarem juntos para que a química explodisse e a vontade fosse tanta que nem reparavam nos locais onde estavam. O velho Fiat Panda do Fausto foi palco de várias tentativas falhadas, culpa do nervosismo. E se fossem apanhados dentro do carro, de vidros embaciados e semi-nús? O receio acabou por ser esquecido entre beijos e carícias, numa tarde quente de verão, com o carro escondido no meio do pinhal.

A sua história arrancou gargalhadas divertidas das suas amigas. Curiosas, quiseram saber o que tinha acontecido ao Fausto. A história acabava mal, já se percebia: “Ele foi trabalhar para França e o namoro não resistiu à distância. Estive uns dez anos sem o ver. Minto: vi-o um dia no cinema. Estava atracado a uma morena voluptuosa. Acho que nem me viu…”

“Que pena” foi o comentário geral. A conversa mudou e Lucinda não tornou a pensar na sua paixão por Fausto.

Dois dias mais tarde, enquanto fazia compras num supermercado, Lucinda sentiu que estava alguém a olhar para ela. Sondou a zona em redor mas não viu ninguém conhecido. Devia estar a imaginar coisas, andava mesmo um pouco paranóica nos últimos tempos! Quando se dirigia para a caixa ouviu o seu nome. Virou-se e lá estava ele: Fausto, a sua primeira vez, em pessoa. Engoliu em seco. Não sabia se havia de sorrir ou de fugir a sete pés. Mesmo que quisesse não conseguia sair do lugar, tal o seu espanto e a velocidade a que as suas pulsações dispararam.

Há excepção de uns cabelos brancos, ele estava tal e qual como o recordava: ombros largos, corpo de atleta, pele morena e os mesmos olhos cinzentos. Fausto aproximou-se e cumprimentou-a com um sorriso rasgado: “Bem me parecia que eras tu!” Aquela alegria em vê-la deixou-a ainda mais desconcertada.

Finalmente Lucinda lá conseguiu articular algumas palavras: “Que grande coincidência, afinal já não te via há tanto tempo!” Deixou-se ficar pela conversa de circunstância. Fausto também não sabia bem o que dizer e, em cinco minutos, esgotaram as perguntas banais. Aproveitando o silêncio, Lucinda despediu-se e encaminhou-se para a caixa. Nisto, Fausto chamou-a novamente: queria o seu contacto. E porque não?

Lucinda chegou a casa ainda confusa. Pela lógica, não devia ter ficado tão atrapalhada, nem tão pouco com a garganta presa e um turbilhão de emoções a deixá-la tonta! Fazia tanto tempo! Não dizem que o tempo tudo cura?

Duvidava que ele a voltasse a contactar, ou pelo menos foi isso que disse às amigas. Elas incentivaram-na a ligar-lhe e a convidá-lo para sair, hipótese que Lucinda descartou imediatamente. O mais certo era levar um não redondo. Dispensava essa experiência para juntar a outras tantas desagradáveis que ele a tinha feito passar. Limitou-se a guardar o número na memória do telemóvel. Talvez um dia mudasse de ideias…

Pelos vistos o Fausto tinha mais coragem do que ela! Sábado à tarde, perdeu o pio ao ver o nome dele a piscar no visor do telemóvel. Quase não conseguiu atender, tamanha a excitação. Conseguiu aparentar alguma calma, quando ele a convidou para sair nessa noite. Aceitou sem hesitações: não tinha nada a perder!

Ficou a saber durante o jantar que afinal Fausto estava livre, após um divórcio complicado. Lucinda ficou curiosa mas não insistiu no assunto. Ele estava disponível e isso é que era importante! A velha cumplicidade surgiu naturalmente. Quando ele acidentalmente lhe tocou no braço, Lucinda descobriu que havia outra coisa que estava de volta: a paixão!

Ele levou-a até casa e Lucinda convidou-o para entrar. Não havia razões para estar com rodeios: desejava-o e não ia fingir o contrário! Foi a primeira vez que partilharam uma cama. Comodidades de serem adultos… Lucinda adorou acordar ao lado do Fausto.

Em tom de brincadeira, perguntou-lhe se ele ainda se lembrava da primeira vez. Ficou perplexa, mas feliz, quando ele lhe confessou que ainda tinha o velho carro guardado com carinho na garagem. Pelos vistos não era só ela que revivia aqueles momentos deliciosos do passado. A questão agora era outra: aproveitar a oportunidade para criar novas memórias! Lucinda prometeu a si mesma que, desta vez, não iria haver distância que os separasse.