quinta-feira, agosto 25, 2005

Uma sedução criativa


Nunca é tarde para mudar...

As velas no bolo apagaram-se suavemente. Adelaide, enquanto soprava, pensava que eram demasiadas. Os seus filhos tinham-se divertido a colocar exactamente 45 velas no bolo. Sentia-se constrangida com a atenção que a festa de anos estava a fazer recair sobre ela. Preferia uma coisa mais íntima mas o marido e as crianças insistiram. Quando os últimos convidados saíram, Adelaide começou a arrumar a confusão que era a sala, Duarte e as crianças foram-se deitar, sem mesmo perguntarem se precisava de ajuda. Ela não estranhou, ao fim de 20 anos de casamento, estava habituada a essa omissão deliberada. O facto de ser o seu dia de anos não alterava nada.

No dia seguinte foi presenteada com um almoço surpresa, pelas suas colegas da repartição. A maioria delas era mais nova do que Adelaide e pareciam ter uma noção algo desfasada do que era ter 45 anos e casada há 20 com o mesmo homem. Entre as prendas estavam umas roupas interiores provocantes, um par de algemas e até um chicote. Como se ela alguma vez tivesse coragem de se vestir assim para seduzir Duarte. Aliás, nem se recordava da última vez que o conseguira seduzir. A rotina instalara-se nas suas vidas e nenhum deles conseguia afastá-la, a bem da verdade, nenhum tentara.

Adriana, a sua filha mais velha, abriu os sacos, curiosa, assim que Adelaide chegou a casa. Na boa disposição dos 16 anos, achou imensa piada às prendas provocadoras, para embaraço de Adelaide. Antes de Duarte e Miguel, o seu filho de 12 anos chegarem, ela escondeu-as no armário.

Sozinha, mais uma vez, enquanto arrumava a cozinha, Adelaide apercebeu-se de como a sua vida estava estagnada. Vivia para o conforto da família, trabalhava por obrigação e sem prazer, e não fazia nada que realmente gostasse. Apercebeu-se também de que cada vez ria menos. No quarto, abriu o álbum de fotos, recordando as imagens da sua juventude, quase desconhecendo a pessoa que se tornara.

No dia seguinte, confidenciou a sua frustração a uma amiga de longa data. Manuela compreendeu-a, pois também ela tinha sentido o mesmo, uns meses atrás. Encontrara uma solução peculiar mas que a estava a ajudar: aulas de dança do ventre. A amiga só descansou quando a convenceu a tentar.

A primeira aula até que não correu muito mal. Adelaide não conseguia libertar-se dos grilhões que a aprisionavam há anos mas sentiu-se um pouco mais leve. Decidiu continuar com as aulas, mantendo o segredo do marido e dos filhos, o que não era difícil. Eles nunca a questionavam sobre o seu dia, ou sobre o que fosse da sua vida. Desde que as suas necessidades básicas fossem providas, desde que ela estivesse lá sempre que precisassem, não havia necessidade de perguntar nada.

À medida que as aulas progrediam, Adelaide libertou-se das suas amarras e executava os movimentos sensuais com uma naturalidade inesperada. A professora elogiava a sua evolução, e usava-a como exemplo para as outras alunas. Com o tempo, Adelaide perdeu até o embaraço que sentia em ser o centro das atenções.

Seis meses depois, a professora pediu-lhes que participassem numa exibição pública, com outras turmas. Num primeiro impacto, Adelaide recusou e alegou que era incapaz de subir a um palco, em frente a estranhos, semi-nua, a fazer os movimentos sensuais da dança do ventre. Não escapou ao poder de persuasão de Manuela, que a chamou de covarde e a fez enfrentar as verdadeiras razões por detrás da sua recusa. Tinha que contar à sua família o que andava a fazer e mostrar-lhes que era muito mais do que esposa e mãe.

O espanto na cara dos filhos e do marido chegou a ser cómico. Quando se deitaram, Duarte ainda não queria acreditar. Insistiram em ir assistir ao espectáculo o que deixou Adelaide mais insegura. Era tarde demais para voltar atrás, por isso aplicou-se na preparação do seu solo. Comprou um fato azul-turquesa, lindo e muito caro, com inúmeros acessórios. Praticou horas a fio, mesmo em casa, quando estava sozinha, memorizando todos os passos e movimentos.

Apesar do anfiteatro repleto, a sua família estava sentada logo na primeira fila. Adelaide foi a segunda a entrar no palco. Trazia o rosto coberto por um véu, que retirou vagarosamente. Esqueceu-se de tudo, excepto o prazer que sentia em dançar. Não era uma mulher de meia-idade mas sim uma jovem dançarina num qualquer harém, dançado para agradar. Quando terminou, a sala explodiu em aplausos e ela sentiu-se realizada, com um sorriso rasgado que não desapareceu a noite toda.

A caminho de casa, todos a elogiaram e ela ficou aliviada por Duarte não a ter achado ridícula ou os filhos se terem sentido envergonhados. Pelo contrário, eles repetiram vezes sem fim, que ela tinha sido a melhor dançarina.

Preparava-se para se deitar quando Duarte pediu-lhe que vestisse o fato azul-turquesa e dançasse para ele. O brilho que via nos olhos dele não a deixou recusar. Uma estranha excitação percorria-a enquanto dançava sensualmente, seduzindo o seu marido, como se fosse a primeira vez. Nessa noite amaram-se com um ardor reacendido. Antes de adormecer, com um sorriso nos lábios, Adelaide pensou que um dia desses, podia até usar os seus presentes ousados. Agora tinha a certeza de que Duarte ia gostar.