segunda-feira, julho 25, 2005

Puro romantismo...


Momento Perfeito

Agora que o segurava na palma da mão, já não lhe parecia tão bonito. A julgar pelo preço que tinha pago pelo anel, a beleza devia fazer parte da garantia. Horácio não conseguia afastar o nervosismo. Estava a planear aquele momento até ao mais ínfimo detalhe e temia estar a esquecer-se de alguma coisa. Entrou um cliente na livraria e ele deixou de lado a caixa com o anel.

Nunca mais se lembrou da dita caixa, até fechar a loja e ligar à Fernanda. Dali a duas horas iam estar no veleiro, rumo ao pôr-do-sol. Depois ele ia-lhe dar o anel e… nesse momento deu-se conta de que não sabia onde o tinha deixado. Enquanto se maldizia pela sua típica cabeça no ar, Horácio ligou para o amigo da joalharia e pediu-lhe que o atendesse urgentemente. Por sorte ele ainda não tinha saído e Horácio correu para a loja, resignado a comprar outro anel de noivado.

Por motivos óbvios, foi forçado a escolher outro mais modesto e menos caro. Convenceu-se de que também era bonito, singelo mas ainda assim fazia o efeito pretendido. Apressou-se a ir para casa, tomar banho e arranjar-se. Também ele tinha que estar perfeito, para que Fernanda não hesitasse quando ele a pedisse em casamento.

Nunca se esqueceria da primeira vez em que ela entrara na sua livraria. Um olhar curioso que devorava as estantes cheias de livros. Não conseguira ignorar uma mulher que partilhava a grande paixão da sua vida: a leitura. Assim que teve oportunidade, meteu conversa com ela e descobriu que Fernanda era professora de português. Na ânsia de vê-la mais vezes, ofereceu-lhe um desconto nos livros e ela passou a ser sua cliente habitual.

Cada vez que a via entrar, ficava logo bem disposto. Rodeava-a de gentilezas e conversavam sobre os livros e autores que Fernanda procurava. Queria deslumbrá-la com o seu conhecimento da área, mas sentia-se frustrado, pois ela não lhe enviava qualquer sinal de retribuir o seu interesse.

Um dia Fernanda olhou-o longamente e disse-lhe: “sou muito romântica. Espero um dia encontrar o homem que me faça sentir como a protagonista de uma comédia romântica americana”. Aquele comentário perseguiu-o durante dias, depois alugou uns quantos filmes do género e deduziu que ela lhe estava a dar uma indirecta.

Delineou a estratégia perfeita e no dia seguinte, quando Fernanda voltou à livraria ofereceu-lhe um pequeno livro de poesia. Recebeu um agradecimento distante, nada do que estava à espera. Talvez o problema estivesse no livro, por isso escolheu outro, desta vez com poemas clássicos de amor. Fernanda agradeceu a oferta, foi assim que lhe chamou, e saiu sem mais comentários.

Alguma coisa estava a falhar, pois Horácio julgava que estava a ser romântico ao dar-lhe as palavras mais belas para lhe confessar os sentimentos. Começava a suspeitar que Fernanda devia ter um coração de pedra. Quando abriu a loja, na manhã seguinte, tinha um pequeno embrulho no chão. Qual não foi o seu espanto ao ver uma primeira edição do Livro de Mágoas, de Florbela Espanca. Na pretensão de ser romântico esqueceu-se dos gostos de Fernanda e concentrou-se no preciosismo da dádiva. Dar por dar, era apenas um gesto. Escolher a prenda ideal, era mais difícil mas muito mais significativo. Lembrou-se de ter confessado a Fernanda que adorava os poemas de Espanca e sentiu-se emocionado com aquele presente. Devorou as páginas manchadas pelo tempo e depois, influenciado pela poetisa, pôs-se a escrever o que lhe ia na alma.

O seu pequeno manuscrito passou despercebido entre os livros que Fernanda tinha comprado. Nem ele nem ela se referiram aos poemas de Florbela Espanca, mas os olhares que trocaram estavam carregados de sinais e sentimentos. Já tinha a loja fechada quando alguém bateu na porta. Nem queria acreditar quando viu o rosto ansioso de Fernanda a espreitar na vitrina. Passados dois anos e Horácio ainda continuava a surpreendê-la com poemas enquanto ela oferecia-lhe livros antigos, obras preciosas que ele guardava a sete chaves.

O romantismo estava dentro deles e por isso, nessa tarde de Sábado, tudo tinha que estar maravilhoso. Fernanda estava linda, e nem desconfiava do que ele andava a planear. Adoravam velejar e por isso ela não estranhou o convite. Quando o sol começou a despedir-se, ficaram à deriva, e então Horácio, tomou coragem.

-“Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!”

As palavras de Florbela Espanca chamaram a atenção de Fernanda que, ao virar-se, deparou com Horácio de mão estendida e olhar doce. Enquanto lhe declamava um poema que escrevera para a ocasião, abriu a mão e revelou a caixinha com o anel. Ajoelhou-se e perguntou finalmente: “Queres casar comigo?” Sem conter as lágrimas, Fernanda saltou repentinamente e abraçou-se a ele. Desequilibraram-se e o veleiro oscilou bruscamente. Preocupado em segurar Fernanda, ele soltou a caixa do anel, que foi cair no mar.

O seu momento perfeito, tornou-se no momento desastrado, mas o mais importante é que Fernanda tinha ficado feliz. Quando regressavam a casa, ela lamentou-se pelo anel, tão lindo, agora no fundo do mar. Horácio consolou-a: “Não te preocupes, tenho outro, ainda mais bonito, algures na livraria. Só temos que o encontrar.”