Um dos primeiros contos
Encontrei-te no deserto
Ainda era cedo, perto das sete horas, mas o Sol já reinava em todo o seu esplendor, sobre as areias do Sahara. Sérgio contemplava, maravilhado, a gigantesca pirâmide de Gizé. Os seus devaneios levaram-no até ao tempo em que foi construída e ficou ali, imerso nos pensamentos. Felicitou-se por ter finalmente embarcado na viagem até ao Egipto. Era um apaixonado pela História e ali estavam, ao alcance das suas mãos, as testemunhas silenciosas de uma civilização poderosa.
Aos poucos o local estava a encher-se de turistas e ouvia-se o coro nada harmonioso das vozes inconfundíveis dos solícitos guias egípcios. Sérgio lembrou-se que tinha de se juntar novamente ao seu grupo pois estava na hora de partir para Luxur onde iam visitar o templo de Karnak. No caminho para o autocarro, cruzou-se com outro grupo de turistas. Lançou um olhar distraído e ficou cativado com uma figura feminina que viu um pouco mais distante. A jovem morena contemplava atentamente as pirâmides, tal como ele fizera antes. Daquele ângulo, ela parecia fazer parte de outro tempo, em que os faraós dominavam o Egipto. Não resistiu e, pegando na máquina fotográfica que tinha ao pescoço, tirou algumas fotos da desconhecida. Iluminada pela luz da manhã, a sua pele reflectia o deserto, o rosto redondo enfeitado por uns curiosos olhos negros. Com aquela imagem gravada na sua mente, Sérgio partiu relutante.
Já não gozava férias há algum tempo e queria aproveitar ao máximo as experiências do Egipto, desde o rebuliço do Cairo, aos coloridos mercados, sem esquecer a beleza do deserto e, corajosamente, até mesmo uma voltinha de dromedário. Luxur excedeu as suas expectativas, mas estava ansioso por embarcar no cruzeiro de quatro dias pelo Nilo até Assuão. O navio era bastante grande, com mais de trezentos quartos, todos bastante luxuosos. Esperava que essa fosse uma excelente oportunidade para descansar e recuperar energias. Além disso, na última noite seria organizada uma festa em que todos os passageiros teriam de ser vestir com roupas árabes.
Sérgio ainda permanecia no convés, horas após a partida, e pensava que comparado com o Cairo, que tinha um trânsito caótico, dia e noite, o calmo Nilo estava a ser um contraste agradável. Achou curioso o facto de o rio estar apinhado de inúmeros desses barcos de cruzeiro gigantescos, todos flutuando em silêncio, noite adentro. Ficou por ali mais algum tempo, a observar a margem repleta de uma vegetação luxuriante e as águas azuis do rio. Estava tão distraído com os seus pensamentos que só reparou na figura feminina a poucos metros, quando ela espirrou. A sua atenção recaiu nas delicadas mãos, pintadas com estranhas tatuagens, que lhe pareciam familiares. De repente lembrou-se onde tinha visto pinturas semelhantes e deduziu que a desconhecida devia ter estado na aldeia dos Nubios, famosa pelas pinturas no corpo com tinta de hena.
Quando o luar iluminou o perfil curvilíneo da rapariga, Sérgio apercebeu-se que esta era a mesma que tinha visto no deserto, junto às pirâmides. O seu coração disparou e ele sentiu-se subitamente tão nervoso como um tímido adolescente. Nem parecia o experiente jornalista que na realidade era. Procurou regular a sua pulsação e pensou numa forma de se apresentar. Tomou coragem e aproximou-se calmamente, aproveitando as pinturas das mãos para iniciar uma conversa. Cumprimentou-a em inglês, pois não conseguia perceber qual seria a sua nacionalidade. Afinal, naquele momento, o Nilo estava apinhado de turistas de todas as partes do mundo. A jovem olhou para ele com curiosidade e, por um momento, Sérgio pensou que ela não lhe ia responder. Por fim, ela falou, com uma voz meiga, num inglês perfeito, embora com um leve sotaque.
Falaram um pouco e Sérgio perguntou-lhe a nacionalidade, quando descobriu que ela também era portuguesa, nem quis acreditar na coincidência. Manuela, era esse o seu nome, provou ser uma pessoa cativante. Como professora de história, tinha os conhecimentos necessários para saciar a curiosidade de Sérgio e depois desse dia passaram a estar juntos, sempre que possível. Embalados pelo suave balançar do Nilo, trocaram impressões sobre o que tinham visto na viagem e pelo meio, algumas confidências. No segundo dia ele confessou-lhe que já a tinha visto no deserto, a admirar as pirâmides e que lhe tinha tirado fotografias. Manuela riu, descontraída e surpreendeu-o quando lhe contou que tinha reparado nisso.
Finalmente chegou o momento da tão aguardada festa árabe, foram comprar roupas adequadas para se produzirem. Mais tarde Sérgio esperava por Manuela no mesmo sítio do convés onde se tinham conhecido. Quando a viu, banhada pela lua, se ainda não estava apaixonado, ficou naquele instante, com o primeiro olhar. A figura esbelta, envolta em delicados véus, aproximou-se, as estrelas reflectidas nos olhos negros. Manuela passou a mão pelos cabelos encaracolados de Sérgio, colou o corpo ao dele e beijou-o suavemente.
‑ “Encontrei-te no deserto, conheci-te no Nilo e quero ficar contigo esta noite.” – Com um sorriso envergonhado, Manuela escondeu o rosto no abraço de Sérgio. Aquelas palavras ficaram toda a noite entre eles, como uma promessa. Ainda a festa ia a meio e eles dirigiram-se silenciosos até ao quarto de Sérgio. Manuela seduziu-o com uma improvisada dança do ventre, e depois entregaram-se ao prazer de desvendar os mistérios dos seus corpos. Quando a manhã os encontrou, já tinham trocado juras de amor e decidido que o que se encontra no deserto, nunca se perde.
1 comentário:
MAR(C)HAR... Sérgio e Manuela, dois portugueses encontram-se no Egipto! Gostei, um pedido: a letra pode ser o tamanho a seguir? Parabéns!
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